PARECER NORMATIVO Nº 007/09 - SAT, 24 DE ABRIL DE 2009

(PUBLICADA NO DOE de 28.04.09)

 

Este texto não substitui o publicado no DOE.

AS OPERAÇÕES DE VENDAS DE VEÍCULOS USADOS, REALIZADAS POR FORÇA DE CONTRATO ESTIMATÓRIO OU CONTRATO EM COMISSÃO, CONFIGURAM MERA INTERMEDIAÇÃO DE NEGÓCIO. As operações de vendas de automóveis usados realizadas por empresas do ramo, por conta e ordem do proprietário do veículo, desde que em decorrência de celebração de Contrato Estimatório ou Contrato de Comissão, com cláusula de depósito, entre este e o estabelecimento revendedor de carros usados, não estão sujeitas à incidência de ICMS.

Sobre a matéria em epígrafe, a SEFAZ-GO tem exarado pareceres, reiterando que as operações de venda dos veículos usados estão sujeitas à incidência de ICMS, todos fundados na idéia de que os veículos usados, em quaisquer circunstâncias, são mercadorias para os estabelecimentos que praticam operações envolvendo esses bens. Entretanto, percebendo a necessidade de solucionar de forma harmônica e racional esta matéria, esta Superintendência, com fulcro no permissivo legal constante do artigo 52, da Lei estadual nº 16.469/09, resolve fixar entendimento por meio deste Parecer Normativo. 

Inicialmente, é necessário considerar que, na forma do artigo 155, inciso II, primeira parte, da CF/88, o ICMS incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e, consoante o disposto no artigo 12, inciso I, do Código Tributário Estadual, CTE, a expressão circulação de mercadorias corresponde aos fatos econômicos juridicamente relevados pela legislação tributária. Em face desta valoração legal, entendemos que, dentro de uma visão compatível com o texto constitucional, se deve considerar que a palavra circulação apresenta dois aspectos: em um aspecto significa a passagem da propriedade da mercadoria de uma para outra pessoa (circulação jurídica) e no outro aspecto significa a ocorrência de pagamento, em moeda ou por permuta (circulação econômica). Assim, para identificar a hipótese de incidência de ICMS é fundamental que se verifique a ocorrência de circulação econômica e/ou jurídica.

Neste contexto, verifica-se que, para efeito da incidência de ICMS, não tem relevância a circulação física do bem, exceto na hipótese de incidência com base apenas na circulação física (conforme previsto no art. 12, inciso I, parte final, da LC nº 087/96), envolvendo as transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa, com finalidade apenas de adequação escritural.

Então, regra geral, para atrair a incidência do ICMS é necessário que ocorra a circulação (jurídica e econômica ou pelo menos a circulação jurídica) de um bem móvel e que a aquisição (circulação jurídica) deste tenha por objetivo a comercialização ou revenda. Embora o senso comum permita entender que os bens móveis adquiridos por um contribuinte do ICMS sejam mercadorias, é necessário observar que esse bem pode não se qualificar como mercadoria, se for adquirido para o uso, consumo ou para ativo fixo do estabelecimento. Portanto, não é unicamente a condição de comerciante que promove a transformação (qualificação jurídica) de um bem móvel em mercadoria, mas é essencialmente o ânimo (desejo subjetivo) do adquirente que imprime esta qualificação.

Relativamente ao processo de intermediação dos negócios de venda de veículos usados, pertencentes a não contribuintes do ICMS, tem-se utilizado a expressão venda em consignação e esta terminologia tem sido o ponto das divergências de entendimento entre o fisco de Goiás e os estabelecimentos que se dedicam à atividade em comento, tendo em vista o primeiro considerar que se está diante de verdadeira venda de mercadoria.

A Consignação é um tipo de contrato previsto no artigo 534 do novo Código Civil, o qual dispõe que o consignatário recebe um bem móvel, que será posto à venda pelo valor estipulado no respectivo contrato. Por esta regra civilista, não há impedimento legal para que este contrato possa ser celebrado entre pessoas naturais, entre uma pessoa natural e uma pessoa jurídica ou entre pessoas jurídicas, verbis:

Art. 534. Pelo contrato estimatório, o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada.

Pelo contrato de venda em consignação, há circulação física do bem, o qual passa para a posse do consignatário, porém, o referido bem continua pertencendo ao consignante. Esta inteligência encontra-se assentada na ementa do acórdão exarado no Resp 710658/RJ, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, STJ, cujo excerto transcrevemos abaixo, verbis:

(...)............................................................................................................................................

“O que caracteriza o contrato de venda em consignação, também denominado pela doutrina e pelo atual Código Civil (arts. 534 a 537) de contrato estimatório, é que (i) a propriedade da coisa entregue para venda não é transferida ao consignatário e que, após recebida a coisa, o  consignatário assume uma obrigação alternativa de restituir a coisa ou pagar o preço dela ao consignante ”(grifamos).

(...)............................................................................................................................................

Em vista dessa regra civilista, percebemos que não há fundamento jurídico para que o fisco goiano não reconheça a existência dos contratos de consignação entre uma  pessoa  natural  não  contribuinte do ICMS e  uma pessoa jurídica contribuinte ou não do ICMS. Isto porque é lícita a celebração de contrato de venda em consignação de objetos ou bens móveis classificados ou não como mercadoria. Quando o contrato em consignação tiver por objeto um bem móvel não qualificado como mercadoria, teremos um caso de consignação civil (mera intermediação de negócio - serviço constante do item 10.05, da Lista anexa à LC nº 116/03), e, caso envolva operação com um bem móvel qualificado como mercadoria, a hipótese será de consignação mercantil (venda ou revenda), conforme regulamentado pela a legislação tributária estadual, por meio do artigo 51 e seguintes, do Anexo XII, do RCTE, o qual ratificou o Ajuste SINIEF nº 02/93.

Observe-se que a legislação tributária estadual acima citada regulamenta apenas uma espécie do gênero contrato de venda em consignação, isto é, cuida da espécie denominada consignação mercantil, a qual é caracterizada pela operação em que um contribuinte envia mercadoria a outro contribuinte para ser comercializada por conta do primeiro (consignante).

Nos contratos de venda em consignação, tendo como objeto um bem móvel (ex: veículo usado) em que uma das partes seja pessoa não contribuinte do ICMS, não existindo circulação econômica e/ou jurídica, não restará configurada a consignação mercantil, não se podendo falar em tributação pelo ICMS. Admitir o contrário, significa afrontar a regra matriz (constitucional) de incidência de ICMS e ignorar a validade e utilidade dos contratos negociais regulados pela lei civil.

Nos contratos de consignação de venda de bens (novos ou usados), celebrados entre estabelecimentos contribuintes do ICMS, a incidência deste imposto ocorre porque os bens objeto do contrato, por serem objeto de mercancia, recebem a qualificação de mercadorias. Nos demais casos de contrato de venda em consignação (consignação não mercantil), celebrado entre pessoa natural e pessoa jurídica (contribuinte ou não) ou entre pessoas jurídicas não contribuintes do ICMS, onde o consignante, pessoa natural não contribuinte, adquiriu o bem para uso próprio e posteriormente resolve vendê-lo, não há que se cogitar da incidência do ICMS. Isto porque, neste caso, o objeto do contrato de consignação não é um bem qualificado como mercadoria (conceito jurídico), mas se trata de operação de venda de um bem móvel.

Reitere-se que o contrato de venda em consignação somente terá natureza de consignação mercantil quando o seu objeto for um bem qualificável como mercadoria, observado o conceito fixado no artigo 12, inciso II, alínea “a”, do CTE.

A atividade de intermediação de negócio relativo à compra  e venda de veículo  usado também é compatível com o contrato de comissão, conforme previsto no artigo 693 e seguintes, do novo Código Civil, o qual dispõe que o  contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome e à conta do comitente.

Abordando o contrato de comissão, Maria Helena Diniz (in, Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, pg. 411;2009) ensina que o comissário (pessoa natural ou jurídica) deverá ser empresário. Utilizando-nos  dessa  orientação doutrinária e das definições legais, concluímos que, pelo contrato de comissão, com cláusula de depósito, o bem (veículo usado) do comitente é posto à disposição (consigna ou entrega) do comissário, o qual fica autorizado a vendê-lo em nome próprio, isto é, o interessado na compra do veículo realiza todas as tratativas do negócio diretamente com o comissário, e não com o comitente.

Assim, por exigir que o comissário seja um empresário que negocia um bem de terceiro em seu próprio nome, assumindo, inclusive responsabilidade por eventuais vícios do bem negociado, entendemos que os negócios de intermediação na venda de veículos usados, em que um comerciante (atividade empresarial) contrata, com uma pessoa não contribuinte do ICMS, a venda de um veículo, mediante uma retribuição, também é compatível com a realidade dos negócios que são realizados nesse mercado.

Em face do regramento legal que orienta as relações negociais envolvendo a intermediação de negócios, concluímos que, para a intermediação dos negócios com veículos usados, tanto os contratos de comissão, com cláusula de depósito, quanto os contratos estimatórios, são instrumentos válidos para efeito de desqualificar os veículos usados como mercadorias e justificar a posse desses veículos pelo estabelecimento que exerce a atividade de venda de veículos usados.

Para os efeitos da legislação tributária estadual, cada veículo automotor usado que se encontrar estocado (na posse), em um estabelecimento que exerce a atividade de comércio de veículos usados, haverá de enquadrar-se em uma das seguintes hipóteses:

a - o veículo foi adquirido (pagamento ou permuta por outro bem ou direito) com o objetivo de mercancia (para ser revendido). Considerando que o ânimo do adquirente é o fator que a lei tributária escolheu como sendo capaz de conferir ao bem móvel a qualificação de mercadoria, referido veículo (que para o particular era um bem), ao entrar na seara de domínio do adquirente comerciante, o fará sob a forma de mercadoria (art.12, inciso II, alínea “a”, do CTE). Assim, a posterior venda desse veículo pelo comerciante adquirente estará sujeita à incidência de ICMS. Em tais circunstâncias, por ocasião da compra do veículo de  pessoa não contribuinte do ICMS, o estabelecimento comercial deve emitir a correspondente nota fiscal de entrada (art. 159, inciso III, alínea “a’, item ‘2”, do RCTE) e, por ocasião da venda, deve emitir a nota fiscal de venda (art. 141, do RCTE);

b - em outra hipótese, o veículo encontra-se na posse do estabelecimento comerciante, o qual assumiu com o proprietário daquele o compromisso de promover a venda, recebendo uma comissão pelos serviços de intermediação ou pelo preço fixado. Em tais circunstâncias, o comerciante age como  intermediário (comissário  ou  consignatário,  conforme  o  caso), devendo a

posse do veículo estar justificada documentalmente, por meio de um  contrato de comissão, com cláusula de depósito (art. 693 a 709, CC), ou por um contrato estimatório (art. 534 e seguintes, CC). Verifica-se, neste caso, que o comerciante/comissário ou consignatário mantém-se na posse do veículo por conta e ordem do proprietário (particular), portanto, a propriedade do veículo continua sendo do comitente, fato suficiente para descaracterizar o bem como mercadoria.

Considerando que na forma do artigo 12, inciso II, alínea “a”, do CTE, mercadoria é qualquer bem novo ou usado adquirido ou fabricado com objetivo de mercancia, e que o veículo mantido em estoque (na posse) por conta de um contrato de comissão ou contrato estimatório descaracteriza o negócio aquisição e desclassifica o bem como mercadoria, portanto, a venda desse bem móvel não estará sujeita à incidência de ICMS.

Nos casos em que o estabelecimento exerce a atividade de compra e venda e intermediação de negócios de veículos usados, os veículos que este estabelecimento receber e mantiver para serem vendidos por conta de um terceiro (não contribuinte do ICMS), terão a posse justificada mediante a existência de contratos de comissão, com cláusula de depósito, ou por contrato estimatório celebrado entre o comitente/proprietário e o comissário ou consignatário.

Para efeito da fiscalização realizada pelo fisco goiano, os veículos recebidos para serem vendidos por conta e ordem de terceiros não contribuintes do ICMS, devem estar acompanhados dos respectivos contratos de comissão, com cláusula de depósito, ou de contrato estimatório, onde deve constar, além das informações sobre o valor da comissão, do valor fixado para a venda, das características do veículo, do prazo para a realização do negócio, o reconhecimento da firma do comitente ou consignante (proprietário). A ausência do referido contrato, com estas características, no momento da abordagem fiscal, ensejará que o fisco considere o veículo como bem adquirido para revenda (mercadoria), atraindo a incidência de ICMS.

Neste ponto, faz-se necessário observar que o artigo 147-C, do Código Tributário Estadual, CTE, em face do permissivo legal constante do artigo 116, § único, do Código Tributário Nacional, CTN, confere à autoridade fiscal a prerrogativa de desconsiderar os atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador do Tributo.

Art. 147-C. São passíveis de desconsideração pela autoridade fiscal, para fins tributários, os atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, bem como aqueles que  visem ocultar os reais elementos do fato gerador, de forma a reduzir o valor de tributo, evitar ou postergar o seu pagamento, observados os procedimentos estabelecidos na legislação tributária.

Parágrafo único. Quando comprovado que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação, o lançamento deve ser efetuado de ofício pela autoridade fiscal, independentemente da desconsideração dos atos ou negócios jurídicos de que trata o caput.

Necessário atentar-se para o fato de que, caso o estabelecimento comissário ou consignatário esteja celebrando contratos de intermediação de negócios para dissimular uma operação de compra de veículo usado, poderá o fisco goiano utilizar-se da prerrogativa legal conferida pelo referido artigo 147-C e desconsiderar (mediante o devido processo legal) o contrato malicioso,   promovendo a exigência do ICMS devido.

Concluímos que, a aplicação da legislação tributária há se dar em harmonia com os institutos de direito consubstanciados em nosso ordenamento jurídico, não se admitindo interpretações, dissociadas da realidade dos fatos, que impliquem em inserir no campo da incidência do ICMS as atividades que, por força da lei complementar estejam sujeitas à incidência de tributo municipal.

Considerando o contexto jurídico em que se encontra inserida a matéria e também a necessidade de definição de regras objetivas para orientarem as ações da SEFAZ-GO e dos contribuintes, fixamos as seguintes regras aplicáveis às operações realizadas (por conta e ordem de terceiros ou por conta própria) pelos estabelecimentos revendedores de veículos usados:

1 - é necessário que conste do contrato social da empresa, regularmente registrado na JUCEG, que a empresa exercerá atividade de intermediação de negócios com carros usados, mediante contrato de comissão, com cláusula de depósito, ou contrato estimatório, celebrado com não contribuintes do ICMS;

2 - a operação com veículo usado, quando realizada em cumprimento de contrato de comissão ou de contrato estimatório, com firma reconhecida do proprietário comitente ou consignante, e desde que contenha informações sobre o valor da comissão, as características e preço do veículo, se enquadra na atividade de intermediação prevista no item 10.05, da Lista de Serviço anexa à LC nº 116/03,portanto, a qual está sujeita à incidência do ISS de competência municipal;

3 - nos casos em que os veículos usados forem adquiridos (pagamento ou permuta) pelo estabelecimento comercial com o objetivo de revenda, o referido veículo estará qualificado como mercadoria, devendo o estabelecimento consulente adotar os seguintes procedimentos:

3.1 - emitir nota fiscal de entrada do veículo em seu estabelecimento (RCTE, art. 159, inciso III, alínea “a”, item “2”), sem destaque do ICMS, caso o remetente não seja contribuinte do imposto;

3.2 - emitir nota fiscal modelo 1, destinada ao comprador (art. 159, inc. I), com todos os requisitos exigidos, inclusive destaque do ICMS calculado sobre o valor da operação (art. 9º, I, RCTE), vez que ocorre o fato gerador do referido imposto. Observe-se que a base de cálculo do imposto fica reduzida para 5% (cinco por cento) do valor da operação, caso o veículo tenha mais de 06  (seis)meses de uso ou mais de 10.000 (dez mil) quilômetros rodados (art. 8º, inciso I, alínea “a”, RCTE, anexo IX).

Goiânia, 24 de abril de 2009.

 

 

GENER OTAVIANO  SILVA

Assessor tributário

 

De acordo:

LIDILONE POLIZELI BENTO

Coordenador

 

De acordo:

CÍCERO RODRIGUES  DA SILVA

Gerente de Políticas Tributárias

 

Aprovado:

PAULO DE AGUIAR ALMEIDA

Superintendente