PARECER NORMATIVO Nº 010/17-SRE, DE 02 DE
FEVEREIRO DE 2017.
(PUBLICADO NO
DOE de 02.03.17)
Este texto não substitui o publicado no
DOE.
As operações de aquisição de softwares standard via transmissão de dados (download) constituem fato gerador do ICMS, em razão do conceito atualizado de “circulação de mercadorias”, que permite qualificar bens incorpóreos postos no comércio (programas de computador) como mercadorias.
Buscando harmonizar a compreensão sobre a matéria em epígrafe, esta Superintendência, com fulcro no permissivo legal constante do artigo 52, da Lei Estadual nº 16.469/09, resolve fixar entendimento por meio deste Parecer Normativo.
O art. 1º da Lei nº 9.609/98, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador (software), estabelece:
Art.
1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções
em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer
natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação,
dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica
digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.
Observa-se que o software, por ser uma criação intelectual, é um bem intangível, podendo ou não ser materializado por meio de um suporte físico, classificando-se, quanto à padronização, em sob medida (personalizado) ou standard (“de prateleira”).
Na forma do artigo 12, da Lei nº 11.651/91, que instituiu o Código Tributário do Estado de Goiás – CTE, encontra-se consignada a definição de mercadoria, conforme transcrição a seguir:
Art. 12. Para os
efeitos da legislação tributária:
[...]
a)
mercadoria
qualquer bem móvel, novo ou usado, inclusive produtos naturais, semoventes e
energia elétrica, extraído, gerado, produzido ou adquirido com objetivo de
mercancia;
[...]
O conceito acima reproduzido consubstancia-se na ideia de bem corpóreo, originário do Direito Comercial, consolidado pela doutrina e jurisprudência, e assim recepcionado pelo texto constitucional de 1988.
A partir dessa compreensão de mercadoria como bem tangível, o Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que a aquisição de “software de prateleira”, elaborado para comercialização genérica, com suporte físico, consiste em aquisição de mercadoria, sujeita à incidência do ICMS, ao passo que o software sob medida, elaborado por encomenda do usuário final, constitui prestação de serviço, tipificado na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003.
Vejamos as transcrições dos julgados do STF, no RE 176.626-3/SP e RE 199.464-9/SP:
EMENTA: [...] III. Programa de computador ("software"):
tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre
as operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de
computador, matéria exclusiva da lide”, efetivamente não podem os Estados
instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se
esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a
circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em
série e comercializados no varejo - como a do chamado "software de
prateleira" (off the shelf) - os quais, materializando o corpus
mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias
postas no comércio. (RE 176626, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira
Turma, julgado em 10/11/1998, DJ 11-12-1998 PP-00010 EMENT VOL-01935-02
PP-00305 RTJ VOL-00168-01 PP-00305). (g.n.)
EMENTA: TRIBUTÁRIO. ESTADO DE SÃO PAULO. ICMS. PROGRAMAS
DE COMPUTADOR (SOFTWARE). COMERCIALIZAÇÃO. No julgamento do RE 176.626, Min.
Sepúlveda Pertence, assentou a Primeira Turma do STF a distinção, para efeitos
tributários, entre um exemplar standard de programa de computador, também
chamado "de prateleira", e o licenciamento ou cessão do direito de
uso de software. A produção em massa para comercialização e a revenda de
exemplares do corpus mechanicum da obra intelectual que nele se materializa não
caracterizam licenciamento ou cessão de direitos de uso da obra, mas genuínas
operações de circulação de mercadorias, sujeitas ao ICMS. Recurso conhecido e
provido. (RE 199464, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em
02/03/1999, DJ 30-04-1999 PP-00023 EMENT VOL-01948-02 PP-00307)
Nota-se que, relativamente aos softwares produzidos em série e comercializados no varejo, sem qualquer especificação (programa de computador standard ou “de prateleira”), com suporte físico (CD ou DVD, por exemplo), não remanesce dúvida quanto à tributação pelo ICMS, haja vista serem caracterizados como mercadorias, conforme o clássico conceito, que pressupõe a noção de materialidade.
Já os softwares sem suporte físico, tratados como bens incorpóreos, estavam sujeitos à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), por consistirem em licenciamento ou cessão do direito de uso de programa de computador.
Ocorre que essa
compreensão absoluta do conceito de mercadoria como bem corpóreo passou a ser
questionada e repensada, em face da necessidade premente de adequação de
conceitos originais à realidade tecnológica atual, posto que “o mesmo bem que
antes era adquirido fisicamente hoje pode ser adquirido virtualmente, o que não
lhe retira a qualidade de mercadoria”. (BARRETO, Simone Costa. Mutação
constitucional do conceito de mercadoria. Disponível em: <www.ibet.com.br/download/Simone%20Costa%20Barreto.pdf>.
Acesso em: 18 de out. 2016.
Vale reforçar o fato de que não se busca alterar o conceito de “mercadoria”, mas promover sua inevitável adaptação para o cenário atual, sem que, para tanto, haja interferência na competência tributária dos Municípios e do Distrito Federal, ou seja, o software feito sob encomenda continua sendo prestação de serviço, ao passo que os programas de computador produzidos em série (“softwares de prateleira”), adquiridos por transmissão eletrônica de dados (bens incorpóreos), passam a se sujeitar à incidência do ICMS, tendo em vista o conceito atualizado de circulação de mercadorias, fato gerador do imposto.
Trata-se, portanto, de um trabalho de interpretação de um conceito, de maneira a contextualizá-lo em uma nova realidade, onde a expressão “circulação de mercadorias” ganha contornos reais, adequados à nova realidade que se apresenta.
Nesse diapasão, o STF, analisando mais recentemente a matéria, sinalizou uma provável mudança de entendimento com relação à tributação da aquisição de softwares standard sem suporte físico (por meio de download), avançando no que diz respeito ao conceito de mercadorias, no sentido de reconhecer a necessidade de adequação de conceitos originais aos tempos modernos, com situações antes inexistentes e imprevisíveis.
O STF manifestou-se pela incidência do ICMS nas aquisições de softwares standard via transmissão eletrônica de dados, confirmando que o meio (físico ou não) pelo qual são disponibilizados os programas de computador não descaracteriza a natureza de circulação de mercadoria.
A decisão foi proferida em sede de liminar, concedida nos autos da Medida Cautelar na
ADI 1.945 MT, em sessão realizada em 26/05/10, cujo excerto se transcreve:
Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Direito
Tributário. ICMS. 2. Lei Estadual 7.098, de 30 de dezembro de 1998, do Estado
de Mato Grosso. (...) 8. ICMS. Incidência sobre softwares adquiridos por meio
de transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º,
ambos da Lei impugnada).
Possibilidade. Inexistência de
bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Irrelevância. O Tribunal não
pode se furtar a abarcar situações novas, consequências concretas do mundo
real, com base em premissas jurídicas que não são mais totalmente corretas. O
apego a tais diretrizes jurídicas acaba por enfraquecer o texto constitucional,
pois não permite que a abertura dos dispositivos da Constituição possa se
adaptar aos novos tempos, antes imprevisíveis. 9. Medida liminar parcialmente
deferida, para suspender a expressão “observados os demais critérios
determinados pelo regulamento”, presente no parágrafo 4º do art. 13, assim como
o inteiro teor do parágrafo único do art. 22, ambos da Lei 7.098/98, do Estado
de Mato Grosso. (ADI 1945 MC, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator(a) p/
Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2010, DJe-047
DIVULG 11-03-2011 PUBLIC 14-03-2011 EMENT VOL-02480-01 PP-00008 RTJ VOL-00220-
PP-00050).
Com efeito, o
entendimento acerca da incidência do ICMS nas aquisições de “softwares de prateleira” via download advém da concepção do programa
de computador produzido em série como mercadoria virtual, posto que, mesmo nas
aquisições de softwares gravados em
mídia física, a aquisição não se restringe ao referido suporte, mas,
principalmente, ao conteúdo que ali se encontra, objeto essencial da operação
mercantil.
Destarte, pelo atual
posicionamento do STF, a operação de aquisição de software produzido em escala, de forma padrão e uniforme, sem
qualquer especificação para o destinatário (“software de prateleira”), constitui fato gerador do ICMS,
independentemente da forma de aquisição deste software ser por suporte físico ou por transmissão de dados (download), enquanto que, se o conteúdo
do software for elaborado
especificamente para uma pessoa jurídica ou física, há incidência do ISS, por se
tratar de típica prestação de serviço.
Nesse sentido, o Conselho
Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, em sua 255ª Reunião Extraordinária,
realizada em 28 de dezembro de 2015, celebrou o Convênio ICMS nº 181/2015, autorizando
os Estados signatários, dentre eles o Estado de Goiás, a conceder, a partir de
1º de janeiro de 2016, redução na base de cálculo do ICMS, de forma que a carga
tributária corresponda ao percentual de, no mínimo, 5% (cinco por cento) do
valor da operação, relativo às transações com softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos
eletrônicos e congêneres, padronizados,
ainda que sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, inclusive nas operações efetuadas por meio
da transferência eletrônica de dados.
O aludido Convênio também autoriza
os Estados a deixar de exigir, total ou parcialmente, os débitos fiscais do
ICMS já lançados em autos de infração ou não, inclusive juros e multas,
relacionados a operações ocorridas até o início da vigência do Convênio,
evidenciando que, segundo o CONFAZ, as aquisições de programas de computador
padronizados via download já estavam
no campo de incidência do ICMS.
Por fim, reforçamos que as aquisições
de softwares standard via download não
consiste em nova hipótese de incidência do ICMS, posto que as referidas
aquisições constituem operações de circulação de mercadoria (fato gerador do
ICMS), dentro de um conceito atualizado do vocábulo “mercadoria”.
Em face ao exposto, fixamos o
entendimento de que:
1 – não há que se falar em
alteração do conceito de mercadoria, estabelecido no art. 12, inciso II, alínea
“a”, do CTE, mas, tão somente, em interpretação do vocábulo, de modo a promover
a sua adequação à realidade tecnológica atual, posicionamento este que encontra
respaldo no entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme decisão proferida em sede de liminar, concedida nos autos da Medida
Cautelar na ADI 1.945 MT, e no regramento constante do Convênio ICMS nº
181/2015;
2 – os programas de
computador produzidos em série e comercializados no varejo (“software de prateleira”), adquiridos na
forma de download (sem mídia física),
estão sujeitos à incidência do ICMS, nos termos do disposto no art. 11, inciso
I, da Lei nº 11.651/91 – Código Tributário do Estado de Goiás.
Goiânia, 02 de fevereiro de 2017.
RENATA
LACERDA NOLETO
Assessora
Tributária
De acordo:
CÍCERO
RODRIGUES DA SILVA
Gerente de
Tributação e Regimes Especiais
Aprovado:
ADONÍDIO NETO VIEIRA JÚNIOR
Superintendente da Receita