PARECER NORMATIVO Nº 012/17-SRE, DE 30 DE JUNHO DE 2017.

(PUBLICADO NO DOE de 07.07.17)

Este texto não substitui o publicado no DOE.

O ICMS devido pelas empresas enquadradas no Simples Nacional, nas hipóteses de omissões de receitas/saídas decorrentes de operações ou prestações desacobertadas de documento fiscal, deve ser exigido observando-se a legislação tributária aplicável às demais pessoas jurídicas, conforme preceitua o art. 13, § 1º, inciso XIII, da Lei Complementar nº 123/06, de 14 de dezembro de 2006.

O presente Parecer Normativo decorreu de solicitação formulada pela Gerência de Representação Fazendária - GERF, objetivando uniformizar o entendimento no âmbito desta Secretaria acerca do procedimento de apuração do ICMS devido pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte optantes pelo Simples Nacional, nas hipóteses de omissão de receitas tributáveis, em decorrência da prática de operações ou prestações sem documentação fiscal.

Buscando harmonizar a compreensão sobre a matéria em epígrafe, esta Superintendência, com fulcro no permissivo legal constante do artigo 52 da Lei Estadual nº 16.469/09, resolve fixar entendimento por meio deste Parecer Normativo. 

A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em vigor desde 1º de julho de 2007, instituiu o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional.

O referido regime estabelece tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação.

Dentre os impostos recolhidos na forma do Simples Nacional está o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, conforme leitura do dispositivo infra da LC nº 123/06:

Art. 13.  O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

[...]

VII - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS;

[...]

O mesmo diploma legal estatui, em seu art. 2º, que o regime do Simples Nacional será gerido pelo Comitê Gestor do Simples Nacional - CGSN, pelo Fórum Permanente das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte e pelo Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM.

O parágrafo sexto do dispositivo acima citado estabelece as atribuições conferidas ao Comitê Gestor do Simples Nacional, nos termos adiante transcritos:

§ 6º  Ao Comitê de que trata o inciso I do caput deste artigo compete regulamentar a opção, exclusão, tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança, dívida ativa, recolhimento e demais itens relativos ao regime de que trata o art. 12 desta Lei Complementar, observadas as demais disposições desta Lei Complementar. (g.n.)

Com efeito, compete ao Comitê Gestor do Simples Nacional, dentre outras prerrogativas, regulamentar a tributação relativa ao Simples Nacional, observadas as disposições da Lei Complementar nº 123/06.

Foram, assim, editadas Resoluções pelo Comitê Gestor do Simples Nacional, observando-se que a temática central do presente estudo tem origem no texto constante do art. 9º, § 2º da Resolução CGSN nº 30/2008, posteriormente reproduzido pelo art. 82, § 2º da Resolução CGSN nº 94/2011, o qual fora revogado, em 27/08/2015, pela Resolução CGSN nº 122/2015.

Vejamos a redação do dispositivo em comento:

Art. 82. Aplicam-se à ME e à EPP optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos tributos incluídos no Simples Nacional. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 34)

[...]

§ 2º Nas hipóteses em que o lançamento do ICMS decorra de constatação de aquisição, manutenção ou saídas de mercadorias ou de prestação de serviços sem documento fiscal ou com documento fiscal inidôneo, nas atividades que envolvam fiscalização de trânsito e similares, os tributos devidos serão exigidos observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas não optantes pelo Simples Nacional, consoante disposto nas alíneas "e" e "f" do inciso XIII do § 1º do art. 13 da Lei Complementar nº 123, de 2006. (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 13, § 1º, inciso XIII, alíneas "e" e "f"; art. 33, § 4º). (g.n.)

Pois bem. O parágrafo segundo acima transcrito, atualmente revogado, foi objeto de questionamento, exatamente em função da expressão “nas atividades que envolvam fiscalização de trânsito e similares”, por suscitar controvérsias quanto às situações nas quais deve ser aplicada a legislação pertinente às demais pessoas jurídicas não optantes pelo Simples Nacional.

Ventilou-se, com a edição deste dispositivo, a compreensão, data venia, equivocada, de que as aquisições, manutenção em estoque e saídas de mercadorias e prestações de serviços desacobertadas de documentação fiscal ou com documento fiscal inidôneo, seriam tributadas pela legislação aplicável às pessoas jurídicas enquadradas no regime normal apenas quando a ocorrência das referidas operações ou prestações fosse constatada por meio da fiscalização de trânsito.

Ocorre que, considerando o disposto no art. 13, § 1º, inciso XIII, alíneas “e” e “f”, da LC nº 123/06, percebe-se, com clareza, que a regra inserta no § 2º do art. 82 da Resolução CGSN nº 94/2011 tão somente especifica uma situação em que deve ser aplicada a legislação pertinente às pessoas jurídicas não optantes pelo Simples Nacional, o que não significa, nem poderia, que se tenha pretendido alterar ou restringir o alcance da regra geral estabelecida na lei complementar.

Analisemos o que prescreve o § 1º do art. 13 da LC nº 123/06:

Art. 13.  O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

[...]

§ 1o  O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:

[...]

XIII - ICMS devido:

[...]

e) na aquisição ou manutenção em estoque de mercadoria desacobertada de documento fiscal;

f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal;

[...]

A lei complementar estabeleceu, sem limitar métodos de averiguação, que, caracterizada a prática de aquisição, manutenção em estoque ou saída de mercadoria ou prestação de serviços desacobertadas de documento fiscal, por microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional, o ICMS deverá ser exigido observando-se a legislação tributária aplicável às pessoas jurídicas enquadradas no regime normal de tributação.

Entender que as hipóteses definidas nas alíneas “e” e “f” do inciso XIII do § 1º do art. 13 da LC 123/06 somente se efetivariam quando constatadas por meio das atividades de fiscalização de trânsito e similares significaria restringir o alcance da norma complementar, pela via da Resolução editada pelo Comitê Gestor do Simples Nacional, algo inadmissível, que, por óbvio, exorbitaria da competência do Comitê Gestor.

Assim, a constatação de aquisição, manutenção em estoque ou saídas de mercadorias ou de prestação de serviços sem documento fiscal ou com documento fiscal inidôneo, efetuada no exercício da fiscalização de trânsito e similares, consiste em uma das formas de se averiguar as situações previstas nas alíneas “e” e “f”, do inciso XIII, do § 1º, do art. 13 da LC 123/06, o que, obviamente, não impede a comprovação de tais práticas por outros métodos de fiscalização.

Neste ditame, consoante previsão expressa do art. 13, § 1º, inciso XIII, alíneas “e” e “f”, da LC nº 123/06, toda e qualquer operação ou prestação desacobertada de documento fiscal, praticada por empresa optante pelo regime do Simples Nacional, deve ser tributada pela legislação aplicável às pessoas jurídicas enquadradas no regime normal de tributação.

Desta feita, a omissão de receitas/saídas, ocasionada pela falta de emissão de documento fiscal por empresas optantes pelo Simples Nacional, configura situação excluída da tributação na forma do Simples Nacional, sujeita, portanto, à regra geral de tributação.

Superada a questão relativa à correta interpretação do § 2º do art. 82 da Resolução CGSN nº 94/2011, importa registrar que a revogação do dispositivo em apreço, em 27/08/2015, em nada altera o entendimento ora aduzido sobre o tratamento tributário das omissões de receitas/saídas das empresas optantes  pelo Simples Nacional relativamente ao ICMS, visto resultar da aplicação do mandamento inserto no art. 13, § 1º, inciso XIII, da Lei Complementar nº 123, de 2006, em vigor desde 1º de julho de 2007.

Ademais, como se buscou evidenciar, não havia conflito entre os dispositivos da lei complementar e da resolução, tendo surgido unicamente interpretações equivocadas do § 2º do art. 82 da Resolução CGSN nº 94/2011, fato que levou à revogação do comando normativo citado.

Neste diapasão, não prospera invocar a regra contida no art. 146 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, em face da revogação do § 2º do art. 82 da Resolução em apreço.

Assim dispõe o art. 146 do CTN:

Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.

Na lição de Hugo de Brito Machado Segundo:

Trata-se de imposição do princípio da segurança jurídica, e da proteção à confiança e à boa-fé. Mas é preciso que se trate de mera mudança de interpretação. (g.n.)[1]

Conforme esclarece o Boletim Informativo nº 23 da Representação Fazendária da Superintendência da Receita:

O art. 146 do CTN consagra o princípio da proteção à confiança, voltado à necessidade de proteção da confiança do contribuinte na Administração Tributária, impossibilitando a retratação de atos administrativos concretos que implique prejuízo relativamente à situação consolidada à luz de critérios anteriormente adotados e, noutro enfoque, também impede a retroatividade de atos administrativos normativos quando o contribuinte agiu em conformidade com as normas anteriores.[2]

Imprescindível a correta percepção do significado da expressão “critérios jurídicos”, adotado pelo legislador no art. 146 do CTN.

Célio Lopes Kalume, ao cuidar do tema relativo à distinção entre erro de fato, erro de direito e mudança de critério jurídico, faz uma análise que permeia o projeto do CTN:

Ao redigir o projeto do CTN, a comissão encarregada previu (inciso IX do art. 111) a possibilidade de novo lançamento quando o “anterior esteja viciado por erro na apreciação dos fatos ou na aplicação da lei, não se considerando como tal a hipótese prevista no art. 109” (grafia original).

O texto denota a menção explícita ao que normalmente se considera erro de direito (“na aplicação da lei”). O mencionado art. 109 do projeto corresponde ao atual art. 146. Portanto, a existência dos dois dispositivos tratando dos dois temas leva, também aqui, à conclusão de que, desde o projeto do CTN, a mudança do critério jurídico não se confundiria com o “erro de direito”.[3]

A mudança de critério jurídico a que se refere o art. 146 do CTN envolve mudança na interpretação da norma aplicável. Hugo de Brito Machado Segundo, em sua obra Código Tributário Nacional: anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e às Leis Complementares 87/1996 e 116/2003, ensina:

Tal entendimento já era pacífico na jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos: “Revisão de lançamento por erro de fato ou de direito e pela mudança de critérios jurídicos: distinção. O que não é possível é a revisão do lançamento pela mudança de critérios jurídicos, vale dizer quando a revisão não se faz para reparar uma ilegalidade, ocorrendo simples alteração de elementos que a lei deixa à escolha da autoridade. Ter-se-á, então a adoção de novo critério, ou de critério diverso do adotado, legalmente, no primeiro lançamento. II. Tendo o Fisco acolhido a classificação quando da conferência da mercadoria, a mudança de classificação posterior importa modificar o critério antes adotado. [...]” (TFR, AMS nº 102.177-RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, Ementário da Jurisprudência do TFR nº 74, p. 78).[4] (g.n.)

Ainda na lição de Célio Lopes Kalume:

[...] podemos afirmar que o CTN trata diferentemente a mudança de critério jurídico e o erro de direito. A alteração de critério identifica-se com a variação de interpretação, entre alternativas que possam ser tidas, no mínimo, como razoáveis; o erro, ao contrário, implica ilegalidade.

[...]

A segurança jurídica não se resume à manutenção de qualquer situação estabelecida. Identifica-se, também, com o devido processo, a ampla defesa e a existência de prazo decadencial.

A legalidade não colide com a segurança jurídica, mas a ela se presta quando fixa prazos, termos e condições para o ato revisional. [5]

Por todo o exposto, não há que se falar, absolutamente, em mudança de critério jurídico na situação que ora se analisa. Trata-se de manifesto erro de direito, consistente em lapso de interpretação da norma constante do art. 82, § 2º, da Resolução CGSN nº 94/2011.

Observa-se, portanto, que os lançamentos porventura efetuados sob a égide da legislação aplicável aos contribuintes optantes pelo Simples Nacional, quando, em verdade, deveriam ter sido realizados sob a tributação própria dos contribuintes enquadrados no regime normal, em razão da interpretação equivocada (restritiva) conferida ao art. 82, § 2º, da Resolução CGSN nº 94/2011 e, por conseguinte, ao art. 13, § 1º, inciso XIII, alíneas “e” e “f”, da LC nº 123/06, por parte da autoridade administrativa lançadora, configuram manifesto caso de erro de direito, que não se confunde com mudança de critério jurídico, vedada pelo art. 146 do CTN.

Em face das considerações traçadas, fixamos o entendimento de que:

1 – o ICMS devido pelas microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional, nas hipóteses de omissões de receitas/saídas decorrentes de operações ou prestações desacobertadas de documento fiscal, deve ser exigido observando-se a legislação tributária aplicável às demais pessoas jurídicas, ou seja, fora do regime diferenciado, conforme preceitua o art. 13, § 1º, inciso XIII, da Lei Complementar nº 123/06, de 14 de dezembro de 2006;

2 – a revogação do § 2º do art. 82 da Resolução CGSN nº 94/2011, em 27/08/2015, não obsta a aplicação do mandamento inserto no art. 13, § 1º, inciso XIII, da Lei Complementar nº 123, de 2006, em vigor desde 1º de julho de 2007, tendo em vista ser inaplicável à situação em tela o disposto no art. 146 do CTN.

                               Goiânia, 30 de junho de 2017.

 

 

RENATA LACERDA NOLETO

Assessora Tributária

De acordo:                                               

CÍCERO RODRIGUES DA SILVA

             Gerente de Tributação e Regimes Especiais

 

Aprovado:

ADONÍDIO NETO VIEIRA JÚNIOR

          Superintendente da Receita

 

 



[1] SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Código Tributário Nacional: anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e às Leis Complementares 87/1996 e 116/2003. 6ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017, p. 327.

[2] SUPERINTENDÊNCIA DA RECEITA, GERÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO FAZENDÁRIA. Boletim Informativo da Representação Fazendária. Ano VII, edição nº 23, junho/2016, p. 03.

[3] KALUME, Célio Lopes. ICMS: didático. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2014, p. 525/546.

[4] Cf. SEGUNDO, 2017, p. 329.

[5] Cf. KALUME, 2014, p. 525/546.